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Dúvida Metódica e Compreensão Cartesiana do Homem

Foi Descartes, no início da Idade Moderna, que posicionou o homem como um ser que existe de fato. Contrapondo-se ao relativismo moral de Montaigne, Descartes tentou vencer o ceticismo por meio da utilização da dúvida como parte relevante do seu método.

Segundo Montaigne, não era possível possuir crenças absolutas em nada, considerando-se a diversidade de pessoas, culturas e modos de vida que inviabilizava por completo o estabelecimento de um modelo de moral que pudesse ser aceita e praticada por todos. Pensando desse modo, Montaigne relativizava tudo, o que tornava o conhecimento absoluto sobre qualquer coisa uma impossibilidade.

O famoso brocardo de Descartes "Penso, logo existo" revela a certeza de que o homem tem que existir a partir do momento em que ele constata a prática do pensamento. Se o homem pensa e tem consciência disso, o homem tem alma, logo, existe. É uma visão antropológica que busca dar sentido e afirmar a existência humana. Ora, se o homem em si pode pensar, ele é a fonte inata de conhecimento e verdade. Logo, é possível alcançar a verdade. Ela não é uma ilusão, como defendia Montaigne.

O termo chama-se "dúvida metódica" porque, com base na dúvida sobre sua existência ou não, o homem procurava uma prova para ter a certeza de que existia. A prova era o ato de pensar. "Penso, logo existo" é a conclusão oriunda da dúvida metódica, essencial para a certeza de que o homem existe de fato. Se o homem existe, é uma coisa que pensa, portanto, tem uma alma e, consequentemente, também tem um corpo, é matéria, está presente, é alguém ou alguma coisa. Esaa é a concepção antropológica dualista, que define o homem com um ser que possui corpo e alma, sendo esta último algo que não está sujeito às leis da física. O homem pensa, é, existe, detém a verdade e o conhecimento. Com essa antropologia, Descartes rompe o ceticismo predominante no início da Idade Moderna.´

Essa perspectiva cartesiana sobre a dualidade alma-corpo, mente-corpo, vai gerar outras correntes de pensamento procurando interpretá-la. O ocasionalismo é uma dessas correntes, cujo principal representante foi Malebranche. Diferentemente do que pretendeu demonstrar Descartes, segundo ele, alma e corpo são diferentes e, entre eles, não há qualquer comunicação. A coincidência entre o estado mental e o corporal é obra divina.

Lieibniz recusa o ocasionalismo e o acusa de ser um deserviço não só à ciência, como também à concepção de Deus e ao homem. Além de reduzir Deus a um mentor e interventor de eventos do mundo e do homem, o ocasionalismo anula as leis da natureza e mina o subjetivismo inato do homem, destruíndo toda a perspectiva do livre-arbítrio. Embora concorde com os ocasionalista no sentido de que alma e corpo são duas substâncias que não se comunicam, mas trabalham em paralelo (paralelismo), Leibniz afirma que a alma já nasce plena e livre e tem dentro de si tudo o que necessita, sem precisar de intervenção alguma do divino. Leibniz conserva nessa teoria a soberania e perfeição divina, a liberdade do homem e as leis da natureza.

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